“Mussolini está morto. Executado e pendurado pelos tornozelos numa viga de um posto de gasolina para ser apedrejado e cuspido, não muito longe da praça de Milão onde a multidão um dia rugiu por ele, ele não existe mais entre os vivos. Mas a tentação ideológica continua bem viva e vigorosa. Contudo, ela nunca alcançará o sucesso pleno.”
Tradução e adaptação: Equipe Prof. Taiguara Fernandes
Para entender melhor nossa era ideológica, todos faríamos bem em voltar os nossos olhos a um dos mais eminentes líderes totalitários do século XX: Benito Mussolini.
Mussolini via seu reinado como a obra de um artista engenhoso. Através de encenações calculadas e de uma hábil propaganda, Il Duce misturou estética com política para mover as massas. Tanto que assistir a um vídeo do ditador careca e de ombros largos é uma lição de poses e sorrisos, acenos com os braços e balançadas de cabeça.
O ditador era um performista. E as multidões reunidas e os simpatizantes adoravam os seus “espetáculos”.
No início de seu governo, a imprensa internacional e os influenciadores bajulavam o Duce:
“Na sua Marcha sobre Roma”, um jornalista perguntou, “você se sentiu como um artista que começa sua obra de arte ou um profeta que segue sua própria visão?”
Mussolini deu uma olhadela para ele, fungou e respondeu: “Artista”.
Mas o que ele quis dizer?
Mussolini era famoso por declarar sua própria virilidade incomum e seu chamado profético para reconstruir o Império Romano. Com sua força e genialidade criativa, ele insistia que moldaria as massas em uma obra-prima. O povo serviria de material para sua arte exótica — uma sociedade fascista que não conheceria outra semelhante.
Discursando para os trabalhadores de Milão, em 1922, ele explicou:
“Meu pai era um ferreiro que dobrava o ferro quente na bigorna. Às vezes, quando criança, ajudava meu pai em seu trabalho árduo e humilde; e agora tenho o trabalho muito mais duro e difícil de dobrar as almas.”
Mussolini era um crítico de Vladimir Lênin por seu fracasso (apenas três anos após a Revolução Bolchevique) em transformar a incipiente sociedade no tão esperado paraíso comunista. “A tarefa”, ele riu, “estava além de seu poder”.
E assim, ele tentaria ao seu próprio modo.
De sua “nomeação” como primeiro-ministro após sua Marcha sobre Roma, em 1922, até sua execução ignominiosa, em 1945, Mussolini apertou a corda de controle em torno do pescoço do povo italiano. O regime fascista não teria dissidência.
A Itália tornou-se um Estado policial dirigido por camisas negras cruéis e informantes intrigantes. Os partidos políticos concorrentes foram esmagados, os meios da economia foram nacionalizados e a educação e a sociedade civil foram “fascitizadas”.
Na verdade, a palavra “totalitário” foi cunhada pela primeira vez em 1923 pela líder da oposição Giovanna Amendola para descrever o Estado consumidor de tudo de Mussolini. Em pouco tempo, Mussolini cooptou descaradamente o neologismo de Amendola:
“Esse objetivo que é definido como nossa feroz vontade totalitária”, gabou-se, “será perseguido com ainda maior ferocidade: tornar-se-á verdadeiramente o pensamento dominante e a preocupação de nossa atividade”.
Ele insistia na clareza de seus objetivos: “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”.
Embora a oposição o tenha declarado implacável, o ditador italiano achava que suas táticas duras estivessem de acordo com sua “arte”. O líder deve domar as pessoas — a matéria de seu ofício — assim como o artista deve domar as matérias-primas de seu projeto.
“O escultor às vezes não quebra o mármore de raiva, porque ele não se molda precisamente em suas mãos de acordo com sua visão? […] Tudo depende disso, para dominar as massas como um artista.”
Mas esse foi o grande erro de Mussolini — e, francamente, o erro de todo pensador ideológico. Os seres humanos não são meros objetos. Nós não existimos para a cínica utilidade de outros.
Nós somos seres profundamente complexos, às vezes inefáveis, de ação e compulsão, sentido e mistério. Como tais, somos infinitamente fascinantes em nossa inescrutabilidade.
Ao contrário do que pensam pessoas como Mussolini e seus ideólogos, nós não somos filhos da ideologia, mas dignos filhos de Deus.
Nossa singularidade e imprevisibilidade é coisa digna de Homero e Dostoiévski, Shakespeare e Austen. Certamente, devoramos as histórias do comportamento humano porque sabemos que a nossa história importa, mas também porque uma certeza sobre nossa existência é a incerteza de por que fazemos o que fazemos.
G.K. Chesterton nos recorda que “todo homem esqueceu-se de quem ele é. Pode-se compreender o cosmos, mas nunca o ego; o eu está mais distante do que qualquer estrela”.
Hamlet interrompe Horácio enquanto o seu amigo se esforça para explicar o inexplicável: “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua filosofia”.
Até Gilda Radner, do Saturday Night Live, que sucumbiu ao câncer de ovário aos quarenta e dois anos, descreveu a imprevisibilidade da vida — e o enigma de nós mesmos — como uma “deliciosa ambiguidade”.
Mas Mussolini e todos os ideólogos não conseguem tolerar isso. Eles estão inclinados a uma teoria eleita à qual a realidade deve se conformar.
A respeito daqueles que são encantados pela ideologia, o brilhante Thomas Sowell fez uma aguçada, mas sombria observação:
“O grande delírio… é que eles têm, ao mesmo tempo, o direito e a capacidade de mover seus semelhantes como blocos de madeira — e que os resultados finais não serão diferentes do que se as pessoas tivessem escolhido voluntariamente a mesma ação.”
Mas somos muito mais grandiosos do que blocos de madeira. Cada fotografia suja, cada letra manuscrita, cada nome gravado em mármore que serve de memoriais aos que pereceram nas mãos da Ideologia, testemunham a dignidade, a singularidade e a insubstituibilidade de cada homem, de cada mulher, de cada criança.
E, no entanto, há motivos para esperança.
Embora tenha causado — e ainda vá causar — horrores incalculáveis, o projeto ideológico (seja o de Mussolini, de Hitler, de Lênin, Mao ou de qualquer uma das nossas tantas variantes modernas) nunca alcançará o sucesso pleno, porque nós não somos filhos da ideologia, mas dignos filhos de Deus.
Como insistiu C.S. Lewis:
“A natureza humana será a última parte da Natureza a se render ao Homem.”
Mussolini está morto. Executado e pendurado pelos tornozelos numa viga de um posto de gasolina para ser apedrejado e cuspido, não muito longe da praça de Milão onde a multidão um dia rugiu por ele, ele não existe mais entre os vivos.
Mas a tentação ideológica continua bem viva e vigorosa.
Em um momento de clareza, Mussolini reconheceu: “Os seres humanos são mais duros do que a rocha e menos maleáveis do que o ferro. Não há obra-prima. O artista falhou.” De alguma forma, ele tropeçou na verdade, mas parece ter esquecido a lição.
Rezemos a Deus para que não o façamos.