“O problema fundamental da ética moderna (como da arte moderna, de modo geral) é que ela é chata. O ego auto-afirmativo e auto-expressivo nunca chega a lugar algum, nunca sai de seu próprio espaço limpo e bem iluminado.”
Tradução e adaptação: Equipe Prof. Taiguara Fernandes
Uma das mais significativas falhas na cultura ocidental se abriu nos séculos XVI e XVII, quando aquilo que hoje conhecemos como mundo “moderno” apartou-se dos mundos clássico e medieval. O pensamento de Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant, Newton, Jefferson e muitos outros representou uma mudança radical na forma como o povo ocidental via praticamente tudo.
Em quase todas as narrativas da história, esse desenvolvimento é apresentado como um bem absoluto. Não subscrevo enfaticamente esta interpretação.
Seria grande tolice não reconhecer que enormes avanços, especialmente nos campos da ciência e da política, ocorreram por causa da virada moderna, mas seria uma tolice ainda maior sustentar que a modernidade não representou, de muitas outras maneiras, uma severa declinação do que veio antes.
Esse declínio é particularmente evidente nas áreas das artes e da ética, e acredito que há uma importante semelhança na maneira como essas duas disciplinas deram errado no período moderno.
A filosofia e a ciência clássicas sempre buscaram entender as coisas nos termos das quatro causas de Aristóteles: material (do que uma coisa é feita), formal (a sua estrutura essencial), eficiente (como ela ficou do jeito que é) e final (seu propósito ou destino).
Os fundadores da modernidade, no entanto, começaram a desconfiar da nossa capacidade de conhecer a forma (pois as coisas parecem estar em constante fluxo) e a finalidade (pois simplesmente não estava claro para onde o universo estava indo).
Desse modo, eles deram uma grande ênfase nas duas causas aristotélicas restantes: material e eficiente. E é precisamente por isso que as ciências distintamente modernas — com seu foco exclusivo naquilo do que as coisas são feitas e como elas chegaram em seu estado de ser atual — se desenvolveram da maneira que conhecemos.
A moralidade tornou-se uma questão de auto-expressão e auto-criação.
Mas essa eliminação das causas formal e final e a hiper-ênfase nas causas material e eficiente tiveram efeitos profundos fora das ciências materiais. Um escultor, pintor ou arquiteto clássico tentava imitar as formas que encontrava na natureza e, assim, criar algo objetivamente belo.
Não é coincidência nenhuma, por exemplo, que arquitetos do período clássico até a Alta Renascença tenham projetado edifícios que imitavam as dimensões e características do corpo humano.
Uma razão pela qual a arquitetura de Michelangelo é tão profundamente satisfatória para nós é que ela foi fundamentada na compreensão particularmente profunda que o artista tinha dos ritmos e proporções do corpo.
Santo Tomás de Aquino definiu a arte como recta ratio factibilium (reta razão do fazer das coisas), e a retidão que ele tinha em mente não era outra coisa senão uma compreensão das formas que Deus já havia colocado na natureza.
Mas um artista moderno, não convencido de que a forma objetiva deve fornecer uma norma para seu trabalho, tende a observar a arte como a objetivação da subjetividade.
A auto-expressão do artista — a causa eficiente da obra, se quisermos — é mais importante do que qualquer conformidade dessa obra a uma norma formal, abordagem, essa, que foi bela e sucintamente resumida pelo pintor Marcel Duchamp: “Tudo o que um artista cospe é arte”. Com essa afirmação, chegamos ao completo oposto da recta ratio factibilium.
“Obra” A fonte, de Duchamp
A marginalização da causalidade final teve um efeito profundo e deletério na maneira como os indivíduos modernos tendem a pensar a moralidade.
Os pensadores morais clássicos — desde Platão e Aristóteles até Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino — consideravam o ato ético em termos de seu propósito ou finalidade. O que tornava um ato bom era a sua orientação para o seu fim próprio.
Assim, como o fim do ato do discurso é a enunciação da verdade, dizer uma mentira é moralmente problemático, e como o fim de um ato político é a promulgação da justiça, legislar injustamente é antiético, etc. Se a arte é recta ratio factibilium, então a ética, para Santo Tomás, é recta ratio agibilium (reta razão do agir), a retidão da razão nesse contexto vem da conformação à finalidade.
Mas com a causalidade final relegada às margens, a moralidade tornou-se uma questão de auto-expressão e auto-criação.
O exemplo extremo dessa atitude pode ser encontrado nos escritos de Friedrich Nietzsche e Jean-Paul Sartre.
O alemão do século XIX, Nietzsche, defendia que a moral suprema — além do bem e do mal — era a autoafirmação extática do super-homem, e o francês do século XX, Sartre, sustentava que a pessoa “autêntica” é aquela que age de acordo com seus próprios instintos mais profundos.
Como é de conhecimento geral, Sartre argumentava que a existência (liberdade irrestrita) precede a essência (quem ou o que uma pessoa se torna).
E isso é o total oposto de uma relação de recta ratio agibilium ordenada à finalidade objetiva.
O problema fundamental da ética, bem como da arte moderna, é que ela é chata.
Se você acha que tudo isso parece irremediavelmente obscuro e irrelevante para a situação contemporânea, pense novamente.
Mesmo as idéias mais radicais dos pensadores modernos em relação à moralidade vazaram, através de uma rede de professores, professores, roteiristas, personalidades da televisão, cantores, blogueiros etc. até chegar às pessoas comuns de hoje.
E isso, eu diria, é o que torna a posição católica sobre a ética tão difícil de entender.
O indivíduo moderno instintivamente diz: “Quem é você para me dizer o que fazer?” ou “Quem é você para estabelecer limites à minha liberdade?”
Enquanto o católico diz instintivamente: “Ordene sua liberdade a uma verdade objetiva que faz de você a pessoa que você deve ser”.
Seria material para um outro artigo explorar, mesmo com relativa adequação, a maneira pela qual esse dilema poderia ser resolvido, mas posso sugerir que o problema fundamental da ética moderna (como da arte moderna, de modo geral) é que ela é chata.
O ego auto-afirmativo e auto-expressivo nunca chega a lugar algum, nunca sai de seu próprio espaço limpo e bem iluminado. Mas o sujeito humano, arrebatado pelo bem objetivo, parte em uma jornada longe dos estreitos limites do eu e se torna um aventureiro.