Você sente dificuldade em encontrar livros, se concentrar em um assunto para leitura e absorver o que estuda? Veja, neste artigo, a fórmula ensinada por Hugo de São Vítor para uma verdadeira vida de estudos.
Como estudar? Como ser mais inteligente?
Essas perguntas parecem bem simples; e para muitos, ainda mais simples é a sua resposta: SENTE A BUNDA NA CADEIRA E LEIA.
Não, não é só sentar e estudar.
Alguns mais versados podem ainda trazer aquela famosa sentença de Leibniz, o filósofo alemão, segundo a qual aquele que tivesse visto mais figurinhas, ainda que totalmente ficcionais, seria o mais inteligente. E por “figurinhas” nós podemos entender como experiências literárias, mas também obras de arte, música, etc.
Isso se baseia no fato de que quanto maior for a nossa coleção de figurinhas, maior a variedade de situações em nosso imaginário, e maior a nossa capacidade de extraí-las da memória para aplicar nas diferentes situações da nossa própria vida. Portanto, mais conhecimento nós temos e, por óbvio, mais inteligentes ficamos.
É como dizia o Professor Olavo de Carvalho: uma experiência literária rica cria um imaginário forte, a partir do contato com personagens que nos permitem identificar, por analogia, a nossa própria experiência.
Mas essa é uma orientação sumária que, em certos contextos, pode mais atrapalhar, gerando ilusão e frustrações, do que ajudar realmente.
Espero, leitor, não ser mal compreendido. Com isso, eu não estou me contrapondo a Leibniz ou ao Professor Olavo.
O problema do que eles diziam em relação ao assunto aqui tratado não está no seu conteúdo, mas na forma como são interpretados e, muitas vezes, levados à prática: para ser mais inteligente, basta ler muitos livros.
Não, não basta. Nem foi precisamente isso o que eles disseram.
Você, tanto quanto eu, deve ter experiências diversas para atestar isso — sejam elas vividas pessoalmente ou observadas.
Primeiro, há o caso das pessoas que aprendem lendo pouco: poucos autores, poucas obras…
E há também aquelas que leem muito e muitos livros, mas estão longe de ser minimamente inteligentes: não lembram do que leram; não conseguem interpretar as idéias apresentadas no texto; não conseguem sequer diferenciar um bom de um mau livro, um bom de um mau autor; ou selecionar o que precisa ser lido antes do que pode ser lido depois.
O que faz parecer, então, que existe uma etapa anterior à simples rotina de leitura, sem a qual esta não produz o alimento do intelecto. Pensando bem… eu acredito que sejam duas as etapas anteriores.
As etapas para um estudo frutífero
Começando pela segunda etapa, que parece depender da primeira e, por isso, deixarei para tratar dela num momento futuro: o método ou critério de seleção e divisão das leituras — seja para diversão, informação, estudo, etc.
Se você não tem isso, você não tem uma vida de estudos e leituras propriamente dita.
A primeira etapa prévia me parece ser algo ainda mais interior: uma disposição mental ou de espírito adequada para a leitura/estudo e, consequentemente, para a busca do conhecimento.
Sem isso, mais do que qualquer outra coisa — a exceção do letramento, na falta do qual, eu estar escrevendo isso e você lendo, não faria o menor sentido —, a leitura e o estudo, como fermentos da inteligência, perdem quase todo o seu poder.
Não se tornam inertes porque, interpretando Leibniz, o imaginário é alimentado pelo contato com as diferentes figurinhas, ainda que totalmente ficcionais (o que diz respeito a elas) ou irrefletidas (o que diz respeito ao próprio sujeito), mas também não são levados à perfeição.
Então, às perguntas “como estudar” e “como ser mais inteligente?” deve preceder uma outra: o que se deve levar em conta ou como eu devo me dispor, antes — e durante — de entrar no caminho de busca pela inteligência?
É sempre isso o que me vem à cabeça quando recebo relatos de alunos com alguma dificuldade nos seus estudos. Alguns não conseguem reter nada na memória; outros não conseguem se concentrar; outros ainda não sabem sequer o que estudar ou como selecionar suas leituras…
Bem, e eu sempre digo a mesma coisa: para resolver a grande maioria dos problemas dos nossos tempos, nós não precisamos reinventar a roda. Sim, porque essas dificuldades de leitura e estudo são sintomas de uma das maiores doenças da nossa época: o esquecimento.
E eu desconheço um remédio melhor para o esquecimento do que o resgate daquilo que foi esquecido; no nosso caso aqui, recorrendo a quem melhor tratou sobre o assunto.
Sobre essa nossa questão da disposição adequada para a leitura/estudo e a busca do conhecimento, o que firma a base da vida de um bom estudo, quem nos deu as melhores orientações, foi também um dos maiores educadores da nossa história: Hugo de São Vítor, a quem eu recorro com muita frequência no meu curso A Arte do Estudo.
Hugo, por volta do ano 1.115, chegou como aluno à afamada escola do mosteiro de São Vitor, recentemente fundada por Guilherme de Champeaux. Em pouco tempo, aquele aluno começou a se destacar antes os seus colegas e até alguns de seus professores, se tornando, mais tarde, o seu mais proeminente mestre.
Ainda como aluno, recebeu a importante tarefa de organizar a administração da escola e escrever normas para o estudo dos mestres e alunos.
Dentre as orientações que ele escreveu, verdadeiros tesouros foram conservados e chegaram até nós, como o Didascálicon da arte de ler e Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar.
É neste último que podemos encontrar a resposta de que precisamos, que são algumas orientações para que desenvolvamos uma disposição adequada perante o estudo. E eu irei listá-las abaixo.
A disposição correta de um bom estudante
A primeira é a mais essencial, pois dela derivam todas as outras:
“A humildade é o princípio do aprendizado.”
Daí nós podemos entender que, antes de pensar em abrir um livro ou começar algum estudo, é preciso que se desenvolva a virtude da humildade, que nos permite saber que existem coisas que sabemos e outras que não sabemos.
A realidade, afinal, é muito rica, é vastíssima, e a inteligência humana não é capaz de abarcá-la inteiramente. Quem acha que já sabe de tudo vai aprender o quê?
Segunda:
“Nenhuma ciência, portanto, tenhas como vil, porque toda ciência é boa.”
Ou seja, não podemos desprezar conhecimento algum, pois tudo o que é capaz de nos mostrar e nos aproximar da realidade, por mais simples que seja, é bom.
Em termos modernos, isso consiste em aplicar o que chamamos de suspension of disbelief, suspender a descrença, chegando a determinado assunto com uma maior abertura de espírito, analisando a coisa como ela é, sem julgamentos prévios.
A terceira orientação ou terceiro conselho decorre do anterior:
“Não se envergonhe de aprender de ninguém.”
Mesmo aquela pessoa que pareça ser a mais ignorante pode ter algo a ensinar. Aqueles que não têm nada a ensinar diretamente, seja o criminoso, o iníquo ou o medíocre, podem servir ao menos de contraexemplo: para que aprendamos a não repetir os seus erros.
Quarto:
“Quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais.”
Quando nossos esforços dão frutos e chegamos ao conhecimento de alguma verdade, não podemos desprezar os que ainda estão tentando alcançá-la. Este é um conselho moral, porque aquele que encontra a verdade tem o dever de compartilhá-la com os outros.
Isso, além de um ato de misericórdia, tem também uma função prática, por a compreensão da verdade cresce à medida em que ela é compartilhada.
E, por fim, o quinto conselho para uma atitude correta de estudo que Hugo de São Vitor nos dá:
“Três coisas são necessárias ao estudante: a natureza, o exercício e a disciplina.
Na natureza, que facilmente perceba o que foi ouvido e firmemente retenha o percebido. No exercício, que cultive o senso natural pelo trabalho e diligência. Na disciplina, que vivendo louvavelmente, componha os costumes com a ciência.”
Isso nós podemos interpretar sumariamente da seguinte forma: conduza os seus estudos de forma constante, dedicada e de acordo com as suas próprias inclinações, pois aquilo para o que você é uma aptidão natural, pode ser um guia para os seus estudos, se você assume o propósito de se dedicar com esforço e constância.
Finalizo este artigo, portanto, reforçando algo com o que você já deve concordar, se chegou até este ponto da leitura. Para ler, estudar e se tornar mais inteligente, não basta simplesmente “sentar a bunda numa cadeira e ler — e ler muito”. Não basta.
O princípio de toda atividade que as pessoas chamam “intelectual” é a humildade.
Com ela, todo aprendizado é possível; e aí, basta uni-la, nas nossas leituras e estudos, aos interesses e aptidões naturais, ao esforço dedicado e à constância — claro, supondo que sejamos pessoas devidamente letradas, como sabemos que a grande maioria dos leitores contemporâneos não são.
Completadas estas etapas, teremos dado os mais importantes passos no caminho da inteligência.