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Corrupção da linguagem: Palavras ambíguas que convidam a más ações

A corrupção da linguagem é um dos maiores males da humanidade. As palavras ambíguas estão no cerne justificativo das visões de mundo que são responsáveis pelo extermínio dos bebês por nascer, pela degradação da sexualidade humana e pelo envenenamento e mutilação de corpos humanos saudáveis, incluindo corpos de crianças.

Labirinto simbolizando a confusão causada propositadamente pela ambiguidade e confusão na linguagem

Dr. Mateus Petrusek

Tradução e adaptação: Equipe Prof. Taiguara Fernandes

 

Um dos consolos de se estudar filosofia é perceber que o aforismo francês plus ça change, plus c’est la même chose — quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas — descreve com precisão grande parte da história das idéias, especialmente as morais e políticas. 

É tentador sentir que vivemos numa era de loucura sem precedentes, tão desconectada da realidade que só pode significar que o fim do mundo está próximo.

Mas a loucura e a negação da realidade têm um legado longo, embora miserável, que vale a pena ser lembrado. De fato, podemos voltar ao nascimento da própria filosofia.

Sócrates (470-399 a.C.) passou grande parte de seu tempo debatendo com interlocutores sobre a linguagem e o significado das palavras. Ele sempre buscou clareza de definição, enquanto seus interlocutores, muitas vezes com pressa para fugir da conversa, quase invariavelmente queriam deixar os termos o mais ambíguos possível. 

Em um diálogo, por exemplo, Sócrates encontra um sujeito chamado Eutífron que tem pressa em processar seu próprio pai nos tribunais atenienses por um crime contra a “piedade”.

Surpreso com o aparente zelo de Eutífron, Sócrates responde que ele certamente deve ser bem versado no significado de piedade — e ter pensado com muito cuidado a respeito de sua aplicação — para justificar essa falta de respeito filial que, de outro modo, seria escandalosa.

Eutífron garante ser, de fato, um especialista, o que instiga Sócrates a um exame dialético do significado e da justificativa do termo, o que logo revela que seu adversário não tem a menor idéia do que está falando.

O diálogo termina com Eutífron respondendo à oferta de Sócrates para procurar uma maior clareza de definição: “Bem, em outro momento, então, Sócrates, pois eu tenho pressa em chegar a outro lugar e está na minha hora de ir embora.”

Sem pertubar-se com sua própria ignorância, Eutífron então corre para colocar seu pai na cadeia. (Alguém pode até se perguntar se uma grande herança dependia de que o processo fosse bem-sucedido). 

De antemão, também descobrimos no Eutífron que o próprio Sócrates está sendo acusado de “impiedade” e “corrupção dos jovens” — acusações que, mais tarde, levarão à sua execução, embora, como vemos nos relatos do seu julgamento, os acusadores não forneçam uma definição fixa, consistente e coerente de piedade e corrupção.

 

 


Com efeito mágico, essas afirmações encantatórias alcançaram o cobiçado status de “senso comum” na linguagem de nossa época.


 

Esse tema — a necessidade de se estabelecer significados objetivos e precisos para palavras que não podem ser reduzidas aos caprichos dos poderosos — é um fio condutor nos diálogos socráticos. No entanto, tem muito mais do que importância histórica.

A corrupção da linguagem e o significado das palavras — ou, melhor, a sua carência de significado — ainda causam grandes estragos na vida individual e social.

Tomemos, por exemplo, estas três expressões que passaram a dominar nossa própria cultura moral e política:

1. Meu corpo, minhas regras.
2. Amor é amor.
3. Um homem pode ser uma mulher.

Com um efeito mágico, essas três afirmações encantatórias alcançaram o cobiçado status de “senso comum” em nossa época, a ponto de que qualquer um que ouse questioná-las é imediatamente acusado de doente mental (sendo tachado por uma “fobia”) ou mau-caráter (visto como propagador de “discurso de ódio”).

Contudo, vamos arriscar o opróbrio e perguntar, ao modo socrático, o que essas expressões significam? (E veja: as críticas a seguir dirigem-se às idéias que contidas nessas expressões, não àqueles que as utilizam). 

Observe a primeira: “Meu corpo, minhas regras”. Essas palavras constituem ostensivamente a evidência de que as mulheres têm um direito inviolável de praticar um aborto.

Entretanto, como a comunidade pró-vida vem observando constante e pacientemente, um corpo tem uma definição fixa, tanto biológica quanto conceitualmente. 

Podemos dizer, por exemplo, que uma definição razoável de corpo humano é um indivíduo cuja existência física contém exatamente o mesmo marcador bioquímico único (DNA).

Poderíamos acrescentar que o corpo de alguém também é definido como uma unidade de partes distintas — por exemplo, uma cabeça, um cérebro, um coração, etc. Se esta é a definição de corpo, então os pró-vida podem concordar com o princípio básico: meu corpo, minhas regras.

Agora, isso também aponta para o fato óbvio — sim, óbvio — de que o nascituro, não importa qual seja seu estágio de desenvolvimento fetal, não é meu corpo e nem, portanto, pela lógica da afirmação, minhas regras

O mesmo equívoco de definição também está presente ao chamar o aborto de uma questão de “direitos reprodutivos”. Biologicamente falando, o aborto só se torna um problema depois que a reprodução já ocorreu, isto é, depois que uma nova e única vida já se formou.

Em última análise, defender um direito reprodutivo ao aborto é racionalmente análogo a exigir um direito para aqueles que estão fora do útero escolherem nascer. É um pouco tarde para isso.

E que tal a expressão “Amor é amor”? Ostensivamente, essas palavras significam que os indivíduos (a) têm atrações sexuais inerentes sobre as quais não têm escolha e (b) portanto, devem ser capazes de expressar essas atrações envolvendo-se sexualmente com quem desejarem, desde que haja consentimento mútuo.

Contudo, se for esse o caso, essa afirmação tautológica não apenas autoriza moralmente a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo biológico, como também entre membros de uma mesma família biológica, incluindo a família biológica imediata.

Também autoriza moralmente atos sexuais com qualquer coisa que não tenha autonomia, incluindo animais.

Essas são as implicações inevitáveis de se tomar a expressão “amor é amor” em relação à sua definição.

Há também problemas com a afirmação “Um homem pode ser uma mulher” (ou “Uma mulher pode ser um homem”).

Levando em conta as falsidades biológicas que isso contém (decididamente não é “de acordo com a ciência”), a afirmação viola as três leis clássicas da lógica mutuamente implicativas, os princípios racionais básicos que tornam possível para a mente humana entender e avaliar qualquer conceito: (1) a lei da identidade (uma coisa é o que é), (2) a lei da não-contradição (uma coisa não pode ser ela mesma e seu oposto ao mesmo tempo da mesma maneira), e (3) a lei do meio excluído (uma coisa ou é ela mesma ou não é ela mesma). 

A afirmação de que um homem pode ser uma mulher viola o primeiro princípio ao afirmar que as definições de homem e mulher não são fixas e, portanto, não têm significado objetivo; viola o segundo ao afirmar que uma pessoa humana pode ser uma coisa (um homem) e o seu oposto biológico (uma mulher) ao mesmo tempo e da mesma maneira; e viola o terceiro princípio ao afirmar que um indivíduo pode, ao mesmo tempo, ser ele mesmo e não sê-lo.

Em suma, a afirmação é um disparate biológico, gramatical e lógico, algo que a Congregação para a Educação Católica do Vaticano também observou:

“A tentativa de superar a diferença constitutiva de masculino e feminino, como ocorre na intersexualidade ou no transgender, conduz a uma ambiguidade masculina e feminina, que pressupõem de modo contraditório aquela diferença sexual que se pretende negar ou superar.”

Em outras palavras, a expressão “homens podem ser mulheres” pressupõe uma verdade (a categoria homem é diferente de mulher) que também nega (não há diferença entre a categoria homem e mulher).

Uma detração comum para apontar essa falácia geralmente assume a seguinte forma: “Quem é você para dizer o que é um ‘homem’ ou uma ‘mulher’?”

O problema é que essa resposta pode ser imediatamente replicada ao detrator: “Bem, e quem é VOCÊ para dizer?” Se a crença subjacente à posição pró-trans é a de que não há uma definição objetiva dos termos porque não existe verdade objetiva, então, a posição trans é tão arbitrária, tão falsa, quanto qualquer outra posição. 

Em outras palavras, se a ideologia de gênero abraça o relativismo, ela puxa o tapete dos pés de sua própria autoridade moral. Se, por outro lado, abraça a existência da verdade objetiva, se vê, então, forçada a reconhecer que possui um ponto de vista irracional. Isso vale também para as posições pró-escolha e pró-amor-é-amor.

Fica claro, então, por que essas ideologias investem tão pesadamente em gerar o máximo de ambiguidade e confusão possível na linguagem.

No fim das contas, o problema aqui não é meramente teórico ou acadêmico. É tão prático, tão verdadeiro, quanto o seguinte: essas definições ambíguas estão no cerne justificativo das visões de mundo que são responsáveis pelo extermínio dos bebês por nascer, pela degradação da sexualidade humana e pelo envenenamento e mutilação de corpos humanos saudáveis, incluindo corpos de crianças. 

O mau uso da linguagem levou à morte prematura de Sócrates em sua época. E está fazendo o mesmo conosco agora.

Prof. Taiguara Fernandes

Prof. Taiguara Fernandes

Advogado, professor, analista e palestrante, Taiguara Fernandes dedica sua vida aos estudos de temas como Filosofia, Religião, Política, Direito, História… há mais de 15 anos. Já palestrou em vários congressos pelo Brasil, como o CPAC Brasil, Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG-Itamaraty), Instituto Borborema e Centro Dom Bosco.

Prof. Taiguara Fernandes

Prof. Taiguara Fernandes

Advogado, professor, analista e palestrante, Taiguara Fernandes dedica sua vida aos estudos de temas como Filosofia, Religião, Política, Direito, História… há mais de 15 anos. Já palestrou em vários congressos pelo Brasil, como o CPAC Brasil, Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG-Itamaraty), Instituto Borborema e Centro Dom Bosco.

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