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Privação e liberdade: A luta pela preservação da consciência

A natureza humana exige a liberdade como uma condição de sua própria existência, e para manter ou conquistar essa mesma liberdade ela faz os homens capazes dos atos de heroísmo mais extremos. E não há liberdade maior do que a preservação da consciência.

 

Liberdade Não há liberdade maior do que ter poder sobre a própria consciência


 

Nada acontece na política que antes não esteja na literatura. Essa é uma regra do escritor austríaco Hugo von Hofmannsthal que continua sempre viva.

De fato, a literatura é a maneira pela qual concebemos imaginativamente as situações que acabam se confirmando ou, pelo menos, se operando no mundo real.

Sem antes imaginar as situações e condensá-las simbolicamente, não temos também como pensar a respeito do que fazer no mundo real, através dos nossos atos (afinal, não esqueça: o normal é pensar antes de agir).

Um exemplo disso é a conjuntura internacional, marcada por inúmeros desastres ocorridos nos últimos anos, que ambientam o cenário para falarmos sobre a necessária liberdade para preservar a própria consciência, tornando isso um ato de heroísmo. 

Vivemos um momento de estado policialesco, vigilante, controlador e, ao mesmo tempo, muitos estão hipnotizados com entretenimento e prazer, com dispersão e distrações. A mídia de massa, as plataformas de redes sociais e a indústria hollywoodiana tentam fazer tudo aparentar normal, à base da censura e da fantasia forçada, quando estamos em plena anormalidade. 

Há quem queira que você não enxergue a realidade, não coloque os pés no chão nem viva no mundo real, mas nas ilusões que lhe são apresentadas.

Em muitas das “democracias” ao redor do mundo, as pessoas já não têm mais permissão para expressar suas opiniões, vontades e anseios, quando se tenta fazê-las acreditar que são plenamente livres. 

Não sei se você percebe, mas muitos dogmas das democracias modernas vieram abaixo nos últimos anos e parece que o liberalismo nascido da Revolução Francesa tem se convertido em totalitarismo para continuar de pé — exatamente como ocorreu na Revolução.

As autodeclaradas democracias parecem não ser mais capazes de proteger o povo; pelo contrário: se voltam contra ele.

Bom, ao menos temos a literatura e, precisamente por ela, podemos antever o que pode acontecer, diante dos sinais que são demonstrados, dia após dia.

As distopias 1984, de George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, assim como outras mais recentes, têm preparado o imaginário das pessoas para situações de controle. E é curioso perceber como muitas dessas situações têm se verificado da exata maneira como descritas anteriormente em obras literárias ou cinematográficas.

É próprio da natureza humana desejar a liberdade e conservar aquilo que ama. 

Se, por exemplo, você tem uma família, você quer o bem dela, que cresça, que fique protegida… isso é algo que muitas pessoas têm utilizado para justificar as próprias atitudes diante de alguns males que enfrentamos — tanto no presente, quanto num passado recente — e de suas conseqüências. 

Na verdade, quando temos algo que amamos, lutamos para proteger e conservar esse bem amado.

 


Toda resistência depende essencialmente da preparação para resistir.


 

É por isso que em situações extremas, de controle anti-natural, como as ocorridas na extinta União Soviética, descritas em O Arquipélago Gulag, de Alexander Soljenítsin, e em diversas outras, existe algo em comum: os seres humanos são capazes de praticar atos heróicos, pela própria liberdade e por amor aos outros.

 

Alexander Soljenítsin

Alexander Soljenítsin

 

Esse livro de Soljenítsin é muito claro e traz uma descrição perfeita disso: a natureza humana exige a liberdade como uma condição de sua própria existência. Então, eu sou livre e conservo aquilo que amo, porque sou gente.

Miguel Reale dizia que “a pessoa humana é o valor-fonte de todo o Direito”, ou seja, ela é um referencial e, ao mesmo tempo, a fonte da qual derivam os direitos.

Nessa perspectiva, se a natureza humana não muda, se é a mesma, nós, apesar de estarmos em uma sociedade onde há pessoas imaturas, fracas, covardes ou qualquer coisa do tipo, como tantas outras civilizações que se degeneraram e desapareceram ao longo da história, ainda que estejamos nessas condições, existe para nós o grito essencial da natureza humana por essa liberdade e por essa conservação daquilo que se ama.

Tudo o que conservamos não vai acabar. Pode até ser prejudicado, na mesma medida em que todos os nossos direitos fundamentais podem ser prejudicados: liberdades individuais, de transitar, de falar, de ter e constituir família…

Não à toa, a resistência que algumas comunidades livres (comunidades de famílias mesmo, não apenas nações) têm tomado no contexto mundial, dentro de seus países, lutando como formiguinhas, mas sempre lutando, pela defesa da própria dignidade, cada qual à sua maneira, de forma livre, diante de um problema que afeta a todos.

Tudo isso resguarda a circunstância em que nos encontramos, para que, no futuro, não tenhamos situações mais extremas, como aquelas que a literatura traçou e das quais temos nos aproximado tão perigosamente agora.

Aldous Huxley imaginou em seu livro uma sociedade inteiramente organizada segundo princípios científicos, na qual a mera menção das antiquadas palavras “pai” e “mãe” produzem repugnância. Um mundo de pessoas programadas em laboratório e adestradas para cumprir seu papel numa sociedade de castas biologicamente definidas já no nascimento. 

 

Aldous Huxley

Aldous Huxley

 

E já não é isso que está acontecendo hoje?

No Brasil, em 2021, por exemplo, uma proposta de um certo partido demandava que a Declaração de Nascido Vivo, o primeiro documento de um recém-nascido, passasse a conter apenas a identificação de “parturiente”, sem a identificação de “pai” e “mãe”, para evitar a discriminação de gênero.

E, em 2022, a comunidade científica e os veículos de mídia começaram a discutir abertamente a “produção” de humanos em úteros artificiais.

 

Produção artificial de humanos

 

Como se vê, essas coisas não estão tão distantes…

 


É preciso resistir, valorizando a própria liberdade, enquanto ainda a possuímos.


 

Em Huxley, esse é um mundo no qual tudo parece ter a função de solidificar o espírito de conformismo. Um universo que louva o avanço da técnica, a linha de montagem, a produção em série e a uniformidade — será que já estamos nele?

Essa é a visão desenvolvida no clarividente romance distópico daquele autor que, ao lado de 1984, de George Orwell, constitui o exemplo mais marcante, na esfera literária, da tematização de estados autoritários. 

 

George Orwell

George Orwell

 

Se o livro de Orwell se volta aos governos totalitários, o terror do stalinismo e a barbárie do nazifascismo, em Huxley o objeto é a sociedade materialista, industrial e tecnológica, em que a racionalidade se tornou a nova religião, em que a ciência é o novo ídolo, um mundo no qual a experiência do sujeito individual não parece mais fazer nenhum sentido.

Entretanto, o moderno clássico de Huxley não é um mero exercício de futurismo ou de ficção científica. Trata-se, o que é mais grave, de um olhar agudo acerca das potencialidades autoritárias do próprio mundo em que vivemos.

É um alerta de que, ao não se preservarem os valores da civilização humana, o que nos aguarda são os grilhões de um admirável mundo novo.

E isso é gravíssimo.

O problema, como diz Orwell ao nosso tempo, é que “o passado fora anulado, o ato da anulação fora esquecido, a mentira se tornara verdade”. No fundo, querem que os registros históricos apoiem as ideologias.

Uma característica fundamental de toda ditadura é querer ter o controle da vida privada dos cidadãos: um verdadeiro confisco de todos os direitos.

Porém, quando temos preparação adequada — com muito estudo, paciência e força de vontade — um querer consciente e bem definido, combatemos a mentira com a verdade, a vontade imposta com a clareza dos fatos.

Toda resistência depende essencialmente da preparação para resistir. Se você não quiser estudar para compreender os problemas e enxergar além dos adversários, não haverá resistência possível. 

Aliás, se, como eu lembrei no início, nada está na política que não esteja antes na literatura, produzir tempos melhores e mais livres depende também de nós: o que vamos imaginar, o que vamos estudar, o que vamos escrever e que símbolos vamos passar, que literatura vamos deixar para as próximas gerações. 

Literatura de covardia ou de coragem? De conformismo ou de desafio? De mentira ou de verdade? Isso depende substancialmente de nós — não só na literatura, mas em todo processo educacional e cultural do qual os nossos filhos sejam herdeiros.

É preciso resistir, valorizando a própria liberdade, enquanto ainda a possuímos.

Uma pessoa que não se deixa esvaziar nem perder a própria identidade, respeita a sua formação, sua história e sua cultura, demonstra ter personalidade e força para ser um símbolo, eternizado pela literatura ou louvado nos esportes ou imitado nas virtudes.

É um objetivo, nestes nossos tempos, ousado e audaz. Mas é exatamente disso que precisamos.

Prof. Taiguara Fernandes

Prof. Taiguara Fernandes

Advogado, professor, analista e palestrante, Taiguara Fernandes dedica sua vida aos estudos de temas como Filosofia, Religião, Política, Direito, História… há mais de 15 anos. Já palestrou em vários congressos pelo Brasil, como o CPAC Brasil, Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG-Itamaraty), Instituto Borborema e Centro Dom Bosco.

Prof. Taiguara Fernandes

Prof. Taiguara Fernandes

Advogado, professor, analista e palestrante, Taiguara Fernandes dedica sua vida aos estudos de temas como Filosofia, Religião, Política, Direito, História… há mais de 15 anos. Já palestrou em vários congressos pelo Brasil, como o CPAC Brasil, Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG-Itamaraty), Instituto Borborema e Centro Dom Bosco.

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